O seguro-viagem tem por objetivo garantir aos segurados, durante período de viagem previamente determinado, o pagamento de indenização quando da ocorrência de riscos previstos e cobertos na apólice. Este seguro deve oferecer, no mínimo, as coberturas básicas de morte acidental e/ou invalidez permanente, total ou parcial por acidente, podendo ser oferecidas outras coberturas, desde que estejam relacionadas com viagem, como perda ou roubo de bagagem, retorno antecipado, cancelamento da viagem, entre outras situações.
Quando há uma guerra em um país, todas as pessoas que estão viajando para aquele país vão dar sinistro ao mesmo tempo. Por isso, a guerra é considerada um risco fundamental, que envolvem perdas que são impessoais em sua origem e consequência. São riscos de grupo, causados por elementos econômicos, sociais ou políticos. Em geral, os tratamentos desses riscos competem ao Estado e não é coberto pelo seguro-viagem.
Além disso, em países em guerra a seguradora fica impedida de prestar alguns serviços já que muitas vezes não é uma opção mandar um avião para buscar as pessoas. Isso ocorre porque aeroportos e mesmo espaços aéreos são fechados e nenhum avião civil pode entrar e nem quer entrar em zonas de guerra porque além de proibidos pelos governos, ficariam suscetíveis a serem atingidos.
A prestação de serviços como um todo acaba sendo impactada, uma vez que toda a infraestrutura do país fica prejudicada – dos aeroportos às comunicações, ficando a seguradora desobrigada da cobertura uma vez que contratualmente esta cobertura, este risco, está excluido da apólice contratada e, neste caso, a seguradora tem a liberalidade de ofertar ou não, alguns serviços previstos contratualmente.
Uma Viagem pela História
Contamos aqui como o risco de guerra mudou para o seguro na véspera da Segunda Guerra Mundial.
O século XX foi o período em que o seguro se expandiu e consolidou, tornando-se um elemento básico de incontáveis setores da economia. Mas foi, especialmente, uma época de grandes mudanças políticas que originou as maiores guerras que a humanidade já havia testemunhado. No difícil contexto da primeira metade do século, as companhias de seguro, que haviam experimentado um crescimento notável ao oferecer proteção contra os riscos de pessoas e empresas, encontraram-se diante de uma encruzilhada quanto ao que fazer quando um deles era potencialmente tão destrutivo.
Já durante o século XIX, uma das atividades em que o mercado segurador ganhou maior impulso foi o comércio, e a cobertura para o transporte de mercadorias, especialmente por via marítima, havia se tornado generalizada. Foi aqui que as seguradoras começaram a se proteger contra os riscos de guerra e começaram a trabalhar com eles, com coberturas específicas em caso de que os danos ou o afundamento do navio tivessem sido causados por um ataque militar de um país inimigo.
Hoje em dia, os riscos de guerra continuam presentes no setor segurador de marine (o transporte internacional, que inclui navios, mercadorias, aviões, etc.). Nestas linhas de negócio, a contratação de coberturas para conflitos bélicos é habitual, ainda que às vezes com entidades especializadas como um consórcio de riscos de guerra.
Tratam-se de apólices ou coberturas com condições, regras e usos próprios, e quando um conflito deflagra, os prêmios para certas áreas podem disparar, de acordo com os profissionais do ramo.
Um acordo para se proteger contra uma grande guerra
Entretanto, há décadas que o resto dos ramos do setor deixou de trabalhar com coberturas de guerra. Na década de 30 do século anterior, os grandes riscos, como o de guerra, eram cobertos principalmente a partir de Londres, onde as principais empresas já operavam em um mercado que ainda era incipiente em muitas outras partes do mundo. Em 1938, as seguradoras do mercado londrino, que já vinham tomando medidas nessa direção, acordaram uma cláusula padrão de exclusão de guerra para o negócio de não marine. A lógica, presente até hoje, era que os riscos decorrentes de conflitos armados são simplesmente grandes demais para serem cobertos. A cláusula NMA 646 deixava fora das coberturas:
“Perda ou dano ocasionados direta ou indiretamente por, ocorrendo por ou em consequência de guerra, invasão, atos de inimigos estrangeiros, hostilidades (tenha havido ou não uma declaração de guerra), guerra civil, rebelião, revolução, insurreição, poder militar ou usurpado, ou confisco ou nacionalização ou requisição ou destruição de ou danos à propriedade por ou sob a ordem de qualquer governo ou autoridade pública ou local”.
O turbulento ano de 1938: as primeiras anexações de Hitler e a Guerra Civil Espanhola
A data de 1938 não é coincidência. A Europa estava em um momento crítico, com a escalada do militarismo que levou à Segunda Guerra Mundial no ano seguinte.
1938 foi o ano em que Adolf Hitler, já no auge de seu poder, iniciou sua política de anexações. A primeira delas ocorreu em março, quando as tropas nazistas entraram na vizinha Áustria, que se tornou outra província do Reich alemão após um plebiscito fictício. Em outubro veio a ocupação dos Sudetos no que hoje é a República Tcheca. Esta anexação havia sido pactuada nos Acordos de Munique com os Aliados, que ainda seguiam uma política de apaziguamento, em uma tentativa de evitar conflitos. No entanto, a possibilidade de guerra já estava firmemente enraizada na opinião pública europeia, o pano de fundo contra o qual o mercado segurador de Londres estabeleceu a NMA 464. Os Sudetos seriam seguidos, no ano seguinte, pela invasão do resto do território tcheco, e meses depois da Polônia, o gatilho da guerra.
A guerra civil espanhola também desempenhou um papel decisivo na adoção generalizada da cláusula de exclusão da guerra. Em 1938, o número de mortos já era de centenas de milhares, e a Europa assistiu à destruição do país. Foi o primeiro conflito a observar os efeitos devastadores dos bombardeios em larga escala de populações. Anteriormente limitados a alvos militares, eles agora podiam atingir civis e propriedades a centenas de quilômetros das linhas de frente.
Foi na Espanha que se experimentou uma nova forma de guerra, que logo desolaria o Velho Continente. Além disso, houve violência política que escapou das formas tradicionais de guerra, o que também gerou um número significativo de mortes e danos materiais. Foi este fenômeno, que já tinha precedentes em outros países, que levou à extensão das exclusões de seguros.
A definição na NMA 464 não se limita estritamente à guerra, mas introduz os termos rebelião, revolução ou insurreição, ou confiscações ordenadas pelo governo. Tudo isso fala da instabilidade da época, com uma Europa entre guerras em que revoltas e revoltas violentas estavam ocorrendo uma após a outra.
A exclusão de guerra no mundo e os problemas derivados
A cláusula de exclusão de guerra se tornou generalizada internacionalmente e a base legal foi estabelecida com a premissa de que a destruição de guerra não poderia ser de responsabilidade das seguradoras. Durante décadas, as maiores dificuldades para o seguro com estes riscos surgiram nos casos em que não é possível estabelecer claramente que uma potência militar inimiga é responsável, ou que os danos são uma consequência do conflito. Os tribunais têm sido responsáveis pela resolução de uma série de disputas complexas a este respeito, muitas delas envolvendo empresas multinacionais que sofreram prejuízos em países em guerra.
Há alguns casos curiosos. Por exemplo, a colisão de dois navios mercantes durante a Primeira Guerra Mundial, segurados por uma apólice que excluía o “risco de guerra”, já que, como vimos, o seguro marítimo foi pioneiro neste campo. Ambos os navios estavam funcionando sem luzes no meio da noite e um deles havia desviado seu curso horas antes da colisão, quando fora ameaçado por um submarino. Os danos se enquadravam nos riscos de guerra e, portanto, deveriam ser excluídos da cobertura? A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que não era assim, deixando claro há um século quantas questões estavam envolvidas.
Os ataques do 11-S e o nascimento de novas ameaças
A NMA 464 permaneceu como padrão global até 2001, quando os ataques terroristas de 11 de setembro fizeram com que este risco se tornasse parte das exclusões na maioria dos contratos. A razão é semelhante: os danos causados por organizações terroristas são potencialmente demasiado destrutivos para serem incluídos em uma apólice geral, embora tenha surgido uma cobertura específica para tais casos e conte com o apoio das autoridades. Por exemplo, na Alemanha, uma empresa cobre perdas de terrorismo de até 3 bilhões de euros e, além disso, o Estado alemão cobriria outros 10 bilhões de euros.
No complexo cenário aberto pelo avanço da tecnologia e pelas tensões geopolíticas, surgiram novas ameaças que mais uma vez mudarão o setor segurador da qual a ALTA Mais Seguros também atua. Trata-se dos ataques cibernéticos, um novo tipo de arma que, nas mãos de Estados ou organizações terroristas podem causar danos devastadores para pessoas e empresas.
Fontes: Infomoney e Mapfre Seguros